Ciência A Forma Surpreendente Como a Nostalgia nos Pode Ajudar a Lidar Com a Pandemia Outrora considerada uma disfunção cerebral provocada por ruídos, a nostalgia está a ser adotada devido aos seus benefícios psicológicos em tempos de crise. -- Uma gravura de 1778 mostra quatro mercenários suíços – alguns dos primeiros objetos de estudo de relatórios médicos sobre nostalgia – a repousarem durante um momento de tranquilidade. Fotografia por Museu Nacional Suíço -- avós, estes lugares permitem partilhar uma das alegrias da sua infância. Mas a ascensão dos drive-in é apenas uma das formas pelas quais abraçámos a nostalgia durante a pandemia. “Acredito que muitas pessoas se estão a virar para a nostalgia, mesmo que não se apercebam disso conscientemente, como uma força estabilizadora e uma forma de ter em mente o que mais prezam”, diz Clay Routledge, professor de psicologia da Universidade Estadual de Dakota do Norte e autor de Nostalgia: A Psychological Resource. Um estudo recente, que acompanha os efeitos da COVID-19 nas opções de -- séries como Táxi, Twin Peaks e Melrose Place oferecem um regresso às personagens queridas do passado. E cada vez mais estamos a adotar a nostalgia através de jogos de tabuleiro, na moda e até nos sonhos que temos durante a pandemia. Krystine Batcho, professora de psicologia no Le Moyne College em Syracuse, Nova Iorque, encara o ressurgimento da nostalgia durante a COVID-19 como uma resposta natural. “Geralmente, as pessoas encontram conforto na nostalgia durante períodos de perda, ansiedade, isolamento ou de incerteza.” A definição moderna de nostalgia é: “Um desejo sentimental ou um afeto melancólico pelo passado, tipicamente durante um período ou num local com associações pessoais de felicidade”. Mas a história da nostalgia é muito menos agradável e muito mais complexa. Outrora considerada uma doença, com opções de tratamento estranhas e potencialmente prejudiciais, a ciência mudou a visão que tinha sobre a nostalgia na última metade do século XX, e os estudos feitos nas últimas décadas revelam os seus efeitos psicológicos – bons e maus. -- Europa (1618-1648) que apelidou o fenómeno de el mal de corazon, que se traduz para “o mal do coração”. Mas foi o estudante de medicina suíço Johannes Hofer quem realmente cunhou o termo “nostalgia” na sua dissertação de 1688, combinando duas palavras gregas: nostos (“regresso a casa”) e algos (“dor”). Johannes Hofer estudou os efeitos da nostalgia em mercenários suíços e concluiu que era uma “doença cerebral provocada essencialmente por razões demoníacas”. E descreveu os sintomas de nostalgia, que incluíam um desejo obsessivo pelo lar, perda de apetite, palpitações, insónia e ansiedade. Johannes Hofer acreditava que a obsessão pelos lares que os mercenários deixavam para trás permitia que os espíritos de animais entrassem nos seus cérebros e provocassem danos. Mais tarde, médicos militares suíços sugeriram que a nostalgia era causada pelo toque ensurdecedor dos chocalhos nos Alpes, que danificava as células cerebrais e os tímpanos dos soldados de forma a desencadear sintomas perigosos. A nostalgia foi encarada como uma aflição neurológica durante os séculos XVII e XVIII. A determinada altura, alguns médicos pensaram que a presença de um “osso patológico” no corpo era a causa da nostalgia, embora nunca tenha sido localizado, é claro. Só no século XIX é que a ciência médica categorizou a nostalgia como uma aflição da psique. A comunidade médica da época considerou a nostalgia um distúrbio psicopatológico – uma forma de depressão e melancolia. Quando os imigrantes inundaram os Estados Unidos nos séculos XIX e XX, os médicos referiam-se à nostalgia como “a psicose do imigrante” devido ao facto de as pessoas terem saudades dos seus países de origem enquanto tentavam processar a vida num país novo. Ao longo dos séculos, os tratamentos para a nostalgia variaram entre opções tolas e mortíferas. Os pacientes resistiram a sanguessugas, purgas estomacais, hemorragias, ópio, “emulsões hipnóticas quentes”, -- Amortecedor existencial Na segunda metade do século XX, a forma como o mundo olhava para a nostalgia mudou. Por um lado, os investigadores de marketing e publicidade começaram a documentar o poder da nostalgia nas preferências por produtos de consumo, de acordo com Clay Routledge. “As investigações empíricas também foram muito importantes para esta alteração, pois a antiga visão da nostalgia enquanto doença baseava-se em especulações teóricas e observações não científicas”, diz Clay Routledge. Em 1995, Krystine Batcho, do Le Moyne College, iniciou o Nostalgia Inventory, uma sondagem com mais de 200 participantes projetada para medir com que frequência e o quão profundamente as pessoas se sentiam -- começaram a emergir. Um conjunto de estudos publicados em 2013 descobriu que “a nostalgia neutraliza a falta de sentido que os indivíduos sentem quando estão entediados”. E uma revisão feita em 2018 concluiu que a nostalgia atua como um amortecedor contra as ameaças existenciais. A saudade é uma forma de nos oferecer esperança e inspiração, diz Clay Routledge. “A nostalgia mobiliza-nos para o futuro. Aumenta o nosso desejo de alcançar objetivos importantes na vida e a confiança de que os conseguimos alcançar.” Embora a nostalgia ofereça vários benefícios psicológicos, há possíveis desvantagens em ficarmos agarrados ao passado. Um estudo de 2012 publicado no European Journal of Social Psychology descobriu que as -- e depressão”, em comparação com as do grupo de controlo. Krystine Batcho diz que é improvável que a nostalgia provoque depressão ou ansiedade, mas “uma pessoa que está clinicamente deprimida ou afetada por um transtorno de ansiedade pode ter mais probabilidades de ‘se perder’ na nostalgia, ficando presa no devaneio nostálgico como uma forma de escape”. As diversas formas de nostalgia Um fator crucial para se determinar se a nostalgia é uma força positiva ou negativa reside no tipo de nostalgia que uma pessoa está a sentir. Os psicólogos reconhecem atualmente um tipo benéfico, chamado nostalgia pessoal, que acontece quando um indivíduo recorda detalhes do seu próprio passado, muitas vezes desencadeados por mudanças na vida e marcos como licenciaturas e casamentos. Por outro lado, a nostalgia histórica está ligada à valorização de aspetos de um período que aconteceu antes do nascimento de uma pessoa e reflete um nível de insatisfação com o que está a acontecer no presente. “A nostalgia pessoal costuma estar associada a benefícios psicológicos, como o combate à solidão, promoção de sentimentos de pertença e estratégias saudáveis de sobrevivência”, explica Krystine Batcho. O mesmo não se pode dizer da nostalgia histórica. A falecida Svetlana Boym, académica literária e professora, também definiu dois tipos de nostalgia – restauradora e reflexiva – no seu livro The Future of Nostalgia. A diferença está na forma como estes dois tipos de nostalgia olham para o passado, diz Hal McDonald, professor de línguas e literatura na Universidade Mars Hill, na Carolina do Norte. “A nostalgia restauradora olha para trás com saudade – com inveja do passado e com o desejo de o recriar ou reviver no presente”, diz Hal McDonald. Portanto, a nostalgia restauradora permite que as pessoas fiquem presas no passado e anseiem por isso de uma forma que é derrotista e potencialmente prejudicial. “A nostalgia reflexiva, por outro lado, desfruta do passado com o pleno conhecimento de que é, de facto, passado e que nunca mais poderá ser revivido.” Atualmente, com tantas investigações empíricas sobre nostalgia, os cientistas e profissionais de saúde estão a encontrar formas de a usar como tratamento médico. A terapia de reminiscência, que a Associação -- Para já, seja a ouvir músicas antigas ou a regressar às maravilhas da infância, a nostalgia parece estar a oferecer às pessoas uma forma de lidar com a pandemia. Mary Widdicks acrescenta que está grata porque o regresso a um dos seus passatempos favoritos também trouxe conforto aos