#Feed para revista serrote » Feed de comentários para revista serrote » Feed de comentários para revista serrote » A potência estética da nostalgia alternate alternate alternate [tr?id=1023070451714702&ev=PageView&noscript=1] -- busca ____________________ ok A potência estética da nostalgia Tweet Imprimir A potência estética da nostalgia André Antônio Barbosa Podemos sentir nostalgia mesmo permanecendo em nosso próprio país, junto às pessoas que nos são próximas. Apesar de um lar feliz, de uma família feliz, um homem pode sofrer de nostalgia, simplesmente porque sente que sua alma está limitada, que não pode se expandir do jeito que ele gostaria. -- UM OUTRO ESTÉTICO E POLÍTICO Historicamente, a palavra nostalgia tem tido uma função bastante definida nos escritos e reflexões críticos sobre arte e política. É aquele sentimento que se deve evitar por ser o propulsor de soluções -- “melancolia”, como aqueles quadros divididos ao meio que ensinam didaticamente a diferença entre “modernismo” e “pós-modernismo”. Assim, do lado de “nostalgia”, podemos encontrar termos como “idealização” e “ingenuidade”. Já do outro lado, ao redor de “melancolia”, podemos encontrar “memória”, “história” e “crítica”. A melancolia, sobretudo no -- E é preciso cuidar para que as notas tristes e violentas da melancolia não sejam em absoluto confundidas com as complacências da nostalgia. A tristeza de uma apontaria de alguma forma para a alegria redimida de um futuro radicalmente novo, como a estrela humanista de Melancholia I -- metanarrativa modernista – de apagar em alguns pontos a linha que divide o quadro sem precisar destruí-lo, sem “jogar fora o bebê com a água do banho”. Há nostalgias que, por carregarem em si a radicalidade irredutível da melancolia, são críticas, assim como certos tipos de melancolia são menos interessantes e em muitos escritos são chamados de “nostalgia” apenas pela comodidade de manter o quadro intacto. Mas, quando os termos estão mais livres, o quadro perde sua bidimensionalidade mecânica e os termos ganham uma materialidade mais complexa. É preciso não ignorá-la. Em muitas reflexões, o sentimento de nostalgia se resume, porém, a uma dimensão de “outro” estético e político que apenas reforça, por contraste, o brilho dos caminhos “certos” e desejáveis. É preciso -- O nostálgico de fato deseja, como se costuma pensar, materializar seu “paraíso perdido” no presente? Autoras como Svetlana Boym, Linda Hutcheon e Pam Cook propõem que a própria noção de nostalgia só se tornou possível, na modernidade, porque o nostálgico, tragicamente, não tem tal ilusão. Porque ele, mais do que qualquer outro, sabe e sente que o que ficou para trás nunca voltará.[1] A nostalgia não é uma tentativa ou um desejo de fazer com que determinado passado retorne ao presente; na verdade, ela não quer transformar o presente. Simplesmente porque a nostalgia é, antes de tudo, uma recusa radical do presente, uma fuga desesperada e uma intuição de que a preciosidade do passado só poderá ser mantida se ele permanecer exatamente o que é: um passado -- radical da modernidade estética, cuja própria melancolia tinha um futuro outro no horizonte e nunca se deixava sujar pelo “sentimentalismo burguês” da nostalgia, que cismava em olhar para trás, outro tipo de tradição melancólica caminhava e foi se consolidando paralelamente. Trata-se de uma melancolia mais atroz, mais pessimista, -- A NOSTALGIA NA MODERNIDADE ESTÉTICA Esse segundo tipo de melancolia nunca teve medo do outro-nostalgia. Seus artistas, pelo contrário, se compraziam na maldição daquela hereditariedade, considerando-a um fardo e ao mesmo tempo um -- desses grupos em Paris, encabeçado pelo poeta romântico Gérard de Nerval e conhecido como o círculo boêmio da rue du Doyenné, articulou a importância da noção de nostalgia para os que veem a vida de uma perspectiva que considera intolerável o convívio nas sociedades industriais modernas. Tal articulação se deu sobretudo a partir da -- Watteau e da beleza de suas cores pastel, em que, segundo Norbert Elias, “a natureza torna-se uma espécie de cenário nostálgico”, esses dândis obstinados[4] puderam ensejar uma “nostalgia lírica”, ao cultuar “a representação da galante alegria festiva, a expressão da elegância desaparecida, da fortuna inexprimível e nostálgica”. Elias os -- A ambiência desoladora em que viviam artistas como Nerval – que cometeu suicídio em 1855 – parece ligar num mesmo contínuo melancolia e nostalgia, embora a segunda claramente apareça como uma espécie de consequência lógica da primeira. A priori são dois sentimentos diferentes, pois o desespero da melancolia não necessariamente diz respeito a uma relação com o passado. É certo que a nostalgia pode funcionar como trabalho de luto para a cura dos perigos da melancolia. Ela sem dúvida pode fornecer o cimento para se reconstruir o presente e -- é um modelo que se possa “aplicar” ao presente. Pode-se assim, por um lado, usar a palavra nostalgia para falar, por exemplo, dos norte-americanos que querem de volta os “bons tempos” da política da Guerra Fria em face das atuais ameaças terroristas. Eles -- conservadorismo apenas ao primeiro (quando normalmente ele é, de maneira simplista, generalizado para todo e qualquer tipo de nostalgia). No romance que ficou conhecido como o breviário da decadência, Às avessas (1884), Joris-Karl Huysmans fala sobre a tradição melancólica que aqui interessa, a melancolia atroz que não tem medo do outro-nostalgia: Com efeito, quando a época em que o homem de talento vê-se obrigado a viver é insípida e estúpida, ao artista, mau grado seu, assedia a nostalgia de um outro século. […] Confusos desejos de migração aparecem, os quais se revelam na reflexão e no estudo. Os instintos, as sensações, os pendores legados pela hereditariedade despertam, -- uma transmissão de energias, uma hereditariedade cultural – desesperadamente melancólica e que tem, nos trabalhos específicos de alguns artistas, a nostalgia como uma de suas características-chave. Esse tipo de nostalgia não está vinculado ao conservadorismo simplista ao qual de maneira recorrente a palavra é associada, embora existam, sim, as nostalgias menos interessantes, com as quais é preciso ter cuidado em termos estéticos e políticos. Dois aspectos desse tipo mais instigante de nostalgia (que, exatamente por ser mais instigante, o discurso crítico se satisfaz em chamar, de maneira um pouco cômoda, de “melancolia”) podem ser destacados. O -- prisão —, é um passado muito mais profundo. A nostalgia da tradição estética aqui sublinhada não é uma espécie de flashback que permite uma mera volta mais efetiva à ação presente, mas uma recusa radical do presente em proveito de uma lembrança pura, de um passado mais misterioso e profundo. Esse passado não pode mais voltar – mas, em primeiro lugar, não é isso que se almeja de fato. Essa nostalgia tem uma aliança essencial com a melancolia, a qual não acredita, absolutamente, em nenhuma possibilidade de solução ou cura para o presente. Para Guy Gauthier, a “nostalgia seria apenas uma variação da melancolia, em parte ligada ao luto (perda de alguém querido ou da pátria), em parte às aspirações insatisfeitas, à busca -- passado sonhado pelo nostálgico. É algo claro na descrição de Nerval dos “tempos felizes” de Watteau, por exemplo. Mas não é paradoxal, tomando como ponto de partida a nostalgia mais instigante e melancólica da tradição artística que aqui nos interessa, considerar o passado “melhor” e não tomá-lo como modelo para transformar o presente? Se é mais interessante, por que não repeti-lo, por que não imitá-lo, por que não ressuscitá-lo materialmente no hoje? Essa parece ser a lógica das nostalgias de fato conservadoras, simplistas ou ingênuas, que em última análise não abandonam uma relação sensório-motora com o presente, e que justamente por isso podem “idealizar” de modo mais acrítico a imagem do -- padronizá-los através das leis do dinheiro). O próprio Benjamin já foi acusado de nostalgia por descrever – ou lamentar – uma época em que a experiência era realmente possível. Mas ninguém menos ingênuo do que Benjamin: não há em seu pensamento -- longínquas, ecos dificilmente perceptíveis, familiaridades distantes que podem ser o avesso de experiência que nossa vivência cinzenta talvez escondaem si. O prazer que há nessa nostalgia melancólica não é uma idealização ingênua que quer igualar o presente a um passado melhor, mas uma espécie de sabedoria enigmática, de um poder mnemônico -- mediocridade do império da mercadoria. Os dois aspectos da nostalgia aqui fixados – a recusa do presente e o fascínio por um passado de alguma forma “mais rico” – podem resultar nas atitudes e posições acríticas. Mas podem também ser traduções de -- desesperada pela possibilidade de uma experiência num contexto cuja principal marca é sua escassez. Podem existir, portanto, dois tipos de nostalgia. O segundo tipo é o mais instigante: ele possui alianças estreitas e profundas com a melancolia (como o ideal é inseparável do spleen em Baudelaire) e vem sendo um elemento importante de toda uma tradição de artistas ao longo da modernidade estética. Tal nostalgia é prova de que ainda há aqueles que resistem à linearidade mecânica e progressista, norma para as configurações sociais desde os primórdios -- ANDRÉ ANTÔNNO BARBOSA nasceu no Recife (1988) e escreveu sua dissertação de mestrado em comunicação na UFPE sobre as relações entre melancolia e nostalgia no cinema. Doutorando em comunicação e cultura na UFRJ, integra o coletivo de cinema recifense Surto & Deslumbramento (surtodeslumbramento.wordpress.com). Este ensaio ficou em segundo lugar -- _______________________ [1] Cf. Pam Cook, Screening the Past: Memory and Nostalgia in Cinema. Oxon: Routledge, 2005; Svetlana Boym, The Future of Nostalgia. Nova York: Basic Books, 2001; Linda Hutcheon, Irony, Nostalgia and the Postmodern.University ofToronto English Library, 199 8. Disponível em www.library.utoronto.ca/utel/ criticism/hutchinp.html.