[ ] 2 – Saudade No documento O Amor na Cultura Portuguesa - Camões e António Ferreira - (páginas 54-61) Servem de mote ao tema da saudade, que de seguida tratamos, as palavras de Hernâni Cidade: A saudade e o morrer de amor (outra face do mesmo prisma de terna afectividade e da mesma designação apaixonada) são realmente as sensações que vibram nas melhores obras da literatura portuguesa, naquelas que lhe dão renome. Elas perturbam o meigo livro de Bernardim Ribeiro e os livros que estilisticamente derivam dele, como a Consolação de Israel, de Samuel Usque, e as Saudades da 55 -- Sentimento vivido em diversas culturas, mas apenas definido e explicado em português, o universo da Saudade pode definir-se como uma sensação de ansiedade ou desejo premente de ver o ente amado, uma dor de não o ter presente, algo que comporta uma energia de amor e outras concepções -- [INS: :INS] Tratando-se de um sentimento espiritual, a Saudade exterioriza-se, em termos históricos, no âmbito da espiritualidade nacional de expressão cristã, muito embora tenha trazido do passado um legado de cariz pagão. -- verdadeira e invencível natureza: ele, como ser irrepetível que é, vivendo uma só vida na terra, onde se prepara para a vida eterna e intemporal, sofrerá no universo da Saudade (Idem, 118-119). A Saudade tem a sua origem no amor associado à ausência, sendo que, quanto mais ardente for esse amor e mais longa a ausência, mais intenso será o sentimento saudoso. É a Saudade uma dolorosa paixão da alma, logo tão subtil, que se torna imperceptível, deixando-nos numa indefinível e dolorosa satisfação. É um sofrimento que dá prazer e uma -- ideias de Nietszche nas reflexões poéticas, metafísicas e cósmicas de Teixeira de Pascoais. Também D. Carolina Micaellis contribuiu grandemente para uma aproximação do tema da Saudade ao romantismo alemão, a sehnsucht, grosseiramente -- (Ibidem, 173). Segundo Pascoaes (1987: 160), a alma e o corpo da Saudade estão na força criadora, assente no desejo e na força da imortalidade, gerada na memória. Saudade é a própria natureza, ligada à paixão lusa, é a eterna recordação da esperança. -- amam. A sua energia de esperança criadora age sobre a essência criada, libertando-a da morte e da inércia. A Esperança é uma luz, alegria divina que atravessa as sombras e tudo sublima. Pela via da Saudade, o mundo converte-se em amor, enternecimento e emoção, ascende ao divino numa oração…Por esse facto, o povo e os poetas, nascidos na Saudade, transmitem à natureza a mais intensa manifestação da emoção, que vai reflectir-se nos sentimentos mais profundos e contraditórios do ser -- nossa ligação lírica com a natureza funde-se com estes sentimentos e aí desaparecem toda a escuridão e luz, não há mais vida nem morte. É enfim o sentimento indefinível da Saudade que inspira os poetas lusos. (Idem, 167-168). [INS: :INS] De acordo com o poeta, ao revelar a Saudade, delineada por Virgílio, uma outra fase da existência sentimental do ser humano é descoberta por Camões, o que torna compreensível, presentemente, a fraternidade universal camoniana. A Saudade une o indivíduo ao cosmos, pois a recordação liga-o ao passado e a fé ao futuro. O ser humano, o mais divino ser existente na natureza, compreende todas as realidades e -- A Criação recebe o Criador através do homem e pela acção saudosa da alma fortalece-se e eleva-se ao divino. Deste modo, a paixão lusa, só pela natural força da Saudade, explica e alcança o Existente. É a partir deste conhecimento que surge um formato único e moralmente elevado do Panteísmo, denominado Saudosismo, materialização da névoa -- interferências externas à cultura portuguesa pelo culto das produções culturais nacionais, que reflectissem a alma lusitana. Neste contexto, a Saudade vai ser o tema eleito por Pascoais para ilustrar a alma lusíada. 57 Propondo a Saudade como núcleo estruturador do espírito lusitano, Pascoaes irá reformular profundamente o tema da psicologia da identidade lusíada, no domínio dos sentimentos e das emoções, definindo-a como “o desejo do ser ou da coisa amada”, acompanhado pela dor da ausência. De acordo com o poeta, a Saudade é um sentimento antagónico, que vai unir o mundo físico ao místico, o pretérito ao presente. É um sentimento nobre, que está subjacente à dimensão heróica de Portugal. Assim sendo, devolver à Saudade a sua supremacia na vida nacional, seria reconquistar para o povo luso o seu valor, há muito, desaparecido. Todavia, a Saudade em Pascoaes, para além da sua ascendência literária, revela um inovador grupo de meditações de cariz etnocultural, baseada em concepções e pensamentos acerca das origens raciais e culturais do povo. (Leal 2000: 25-30). O poeta define a Saudade como um estado emocional e afectivo da alma pátria. Ela representa o desejo e a esperança, é a silhueta do Encoberto despertada, afastando o nevoeiro do lendário amanhecer. Após Alcácer-Quibir, a Saudade, enlutada, chorou, mas agora, revelou-se exultante e sorriu cheia de fé pois, ao revelar-se, revelou o sonho lusitano da Renascença, o elevado destino imposto a Portugal pela -- o sentimento obscuro mas iluminante dessa visão positiva da vida como sonho que se sabe sonho mas que no interior desse sentimento se recupera como criadora saudade, desejo de um desejo que jamais tomará a forma de uma possessão idolátrica, subtraindo-nos assim, de raiz, à tentação moderna por excelência, a de Fausto: saber, poder para reinar -- a outra exige a promessa da vida (Lourenço 2006: 102). Nos poetas da Saudade coexiste um profundo sentimento da Eternidade e do Infinito, que encerra o amor do amante pela mulher amada. Comporta, além disso, o amor do povo português pela sua Pátria e por Deus. A alma -- eterna. Do sangue e da terra nasce a melancolia lusitana das memórias concretizadas de uma Divindade, que não existe mais, mas que dá forma à Saudade (Pascoaes 1987: 164). 58 O sentimento da Saudade influi, sobremaneira, nas formas inferiores da natureza, com as quais nos ligamos à Família, à Pátria, à Humanidade e a Deus (Soares 2007: 280-283) Devido ao seu poder saudosista, de lembrança e de esperança, o ser humano eleva-se da própria miséria e contingência à contemplação do Reino Espiritual. Vemos Deus pelos olhos da Saudade e assim reconstruímos espiritualmente a sua figura sagrada (Pascoaes 1998: 122-123). A Saudade humanizada e compreendendo a natureza, avultando numa só imagem feminina, voluptuosa e virginal, é o símbolo eterno da Realidade conjugada com a Verdade; quer dizer, do Universo e de Deus. Platão, que -- (Pascoaes 1987: 172). Camões foi um dos poetas que mais cantou a Saudade no Amor. A ausência da amada desencadeia no sujeito o sentimento de nostalgia, por vezes devido à sua morte precoce, como é o caso de Dinamene. A perda trágica -- Imerso na sua dor sente-se exausto, devido aos pensamentos atormentados que o afligem e entrega-se a saudosas recordações. Saudades antigas voltam a visitar o poeta, que assiste à inexorável passagem do tempo, sem nada poder fazer, pois aquilo que ele tanto amou, não existe mais. -- ser feliz (Saraiva s/d:188-193). Que me quereis, perpétuas saudades? Com que esperança ainda m’ enganais? Que o tempo que se vai não torna mais, E se torna não tornam as idades. -- (Camões 2005: 110) O tema da Saudade, sentimento sem objecto, é cantado por Camões, de uma forma pungente, onde coabitam, permanentemente, a solidão e a angústia de viver, manifestações líricas da alma lusitana. O ser amado é chamado pelo nome desse sentimento sem objecto, expressando, desta forma, a intensidade do sofrimento e da Saudade que existe no amor ausente (Valverde 1981: 88. 89)) -- A este cantar velho Saudade minha Quando vos veria? Voltas -- 4 Minha saudade, Caro penhor meu, A quem direi eu Tamanha verdade? 35 Na minha vontade, De noite e de dia (Camões s/d: 90) A Saudade apaixonada e a melancolia transformada em amor imprimiram em Camões um profundo sentimento da Natureza, pois todos os elementos que a compõem surgem da sua inspiração. O poder criativo de Camões imprimiu uma expressão sublime ao sentimento da Saudade. Tal como Shakespeare divagou pelo íntimo do ser humano, Camões penetrou na essência das coisas. Após Shakespeare, a humanidade torna-se shakesperiana, mas depois de Camões o mundo é camoniano. É o -- 61 III- A Expressão do Amor e da Saudade na Lírica de Camões No documento O Amor na Cultura Portuguesa - Camões e António Ferreira - -- * 1 – Amor * 2 – Saudade (Você está aqui ) * Camões