1Library PT 1Library PT ____________________ (BUTTON) Upload [ ] * Loading... [ ] ____________________ (BUTTON) [ ] 2 – Saudade No documento O Amor na Cultura Portuguesa - Camões e António Ferreira - (páginas 54-61) Servem de mote ao tema da saudade, que de seguida tratamos, as palavras de Hernâni Cidade: A saudade e o morrer de amor (outra face do mesmo prisma de terna afectividade e da mesma designação apaixonada) são realmente as sensações que vibram nas melhores obras da literatura portuguesa, naquelas que lhe dão renome. Elas perturbam o meigo livro de Bernardim Ribeiro e os livros que estilisticamente derivam dele, como a Consolação de Israel, de Samuel Usque, e as Saudades da 55 Terra, de Gaspar Frutuoso. Perfumam as Rimas de Camões e os Episódios e as Prosopopeias d’Os Lusíadas. Perfumam as Cartas da Religiosa Portuguesa, e as criações humanas de Almeida Garrett, a Joaninha dos olhos verdes e as figuras todas de Frei Luís de Sousa. Não faltam no Cancioneiro do povo; nem já faltavam, na sua face arcaica, nos reflexos cultos da musa popular que possuímos, isto é, nos cantares de amor e de amigo dos trovadores galaico-portugueses, no período que se prolongou até os dias de Pedro e Inês… (Cidade 2003: 188). Sentimento vivido em diversas culturas, mas apenas definido e explicado em português, o universo da Saudade pode definir-se como uma sensação de ansiedade ou desejo premente de ver o ente amado, uma dor de não o ter presente, algo que comporta uma energia de amor e outras concepções que, em nenhuma outra língua, podem ser descritas. Somente a alma do povo português, sabe expressar, intensamente, a constância do amor ausente. É um sentimento que traduz o desejo ardente e, ao mesmo tempo, sofrido, de voltar a usufruir de um bem que nos era querido e foi retirado, é ânsia de estar com alguém ou algo de quem nos separámos, forçados. É, enfim, um amontoado de sentimentos onde se distinguem a tristeza, o desejo, a solidão, a apatia. (Gomes 1976: 7-27). [INS: :INS] Tratando-se de um sentimento espiritual, a Saudade exterioriza-se, em termos históricos, no âmbito da espiritualidade nacional de expressão cristã, muito embora tenha trazido do passado um legado de cariz pagão. O homem, reunindo cristão e pagão, formará assim um todo, na sua verdadeira e invencível natureza: ele, como ser irrepetível que é, vivendo uma só vida na terra, onde se prepara para a vida eterna e intemporal, sofrerá no universo da Saudade (Idem, 118-119). A Saudade tem a sua origem no amor associado à ausência, sendo que, quanto mais ardente for esse amor e mais longa a ausência, mais intenso será o sentimento saudoso. É a Saudade uma dolorosa paixão da alma, logo tão subtil, que se torna imperceptível, deixando-nos numa indefinível e dolorosa satisfação. É um sofrimento que dá prazer e uma felicidade que faz sofrer, é recatada e mensageira de um amor sublime, puro e genuíno. É enfim, um delicado sintoma da chama do amor (Cidade 2003: 189). O romantismo literário deu uma enorme contribuição para a tipificação de certos valores da cultura na multiplicidade cultural europeia e, no caso nacional, o romantismo filosófico alemão influenciou certos filósofos portugueses, desconhecendo-se, ao certo, a influência das ideias de Nietszche nas reflexões poéticas, metafísicas e cósmicas de Teixeira de Pascoais. Também D. Carolina Micaellis contribuiu grandemente para uma aproximação do tema da Saudade ao romantismo alemão, a sehnsucht, grosseiramente 56 caracterizada como ânsia do infinito, fonte do absoluto, que coloca na existência humana, a elevação do transcendente, inerente à sua essência (Ibidem, 173). Segundo Pascoaes (1987: 160), a alma e o corpo da Saudade estão na força criadora, assente no desejo e na força da imortalidade, gerada na memória. Saudade é a própria natureza, ligada à paixão lusa, é a eterna recordação da esperança. O sentimento saudoso transforma as realidades que se movem, padecem e amam. A sua energia de esperança criadora age sobre a essência criada, libertando-a da morte e da inércia. A Esperança é uma luz, alegria divina que atravessa as sombras e tudo sublima. Pela via da Saudade, o mundo converte-se em amor, enternecimento e emoção, ascende ao divino numa oração…Por esse facto, o povo e os poetas, nascidos na Saudade, transmitem à natureza a mais intensa manifestação da emoção, que vai reflectir-se nos sentimentos mais profundos e contraditórios do ser humano. O amor torna-se assim penoso e o sofrimento torna-se terno. A nossa ligação lírica com a natureza funde-se com estes sentimentos e aí desaparecem toda a escuridão e luz, não há mais vida nem morte. É enfim o sentimento indefinível da Saudade que inspira os poetas lusos. (Idem, 167-168). [INS: :INS] De acordo com o poeta, ao revelar a Saudade, delineada por Virgílio, uma outra fase da existência sentimental do ser humano é descoberta por Camões, o que torna compreensível, presentemente, a fraternidade universal camoniana. A Saudade une o indivíduo ao cosmos, pois a recordação liga-o ao passado e a fé ao futuro. O ser humano, o mais divino ser existente na natureza, compreende todas as realidades e molda-as ao seu desejo de perfeição. A Criação recebe o Criador através do homem e pela acção saudosa da alma fortalece-se e eleva-se ao divino. Deste modo, a paixão lusa, só pela natural força da Saudade, explica e alcança o Existente. É a partir deste conhecimento que surge um formato único e moralmente elevado do Panteísmo, denominado Saudosismo, materialização da névoa amorosa em que se erguem, na imortalidade, os cantos dos poetas lusitanos (Idem, 170). O movimento saudosista criado por Pascoaes, tinha como objectivos restituir à cultura nacional a sua elevação perdida, substituindo as interferências externas à cultura portuguesa pelo culto das produções culturais nacionais, que reflectissem a alma lusitana. Neste contexto, a Saudade vai ser o tema eleito por Pascoais para ilustrar a alma lusíada. 57 Propondo a Saudade como núcleo estruturador do espírito lusitano, Pascoaes irá reformular profundamente o tema da psicologia da identidade lusíada, no domínio dos sentimentos e das emoções, definindo-a como “o desejo do ser ou da coisa amada”, acompanhado pela dor da ausência. De acordo com o poeta, a Saudade é um sentimento antagónico, que vai unir o mundo físico ao místico, o pretérito ao presente. É um sentimento nobre, que está subjacente à dimensão heróica de Portugal. Assim sendo, devolver à Saudade a sua supremacia na vida nacional, seria reconquistar para o povo luso o seu valor, há muito, desaparecido. Todavia, a Saudade em Pascoaes, para além da sua ascendência literária, revela um inovador grupo de meditações de cariz etnocultural, baseada em concepções e pensamentos acerca das origens raciais e culturais do povo. (Leal 2000: 25-30). O poeta define a Saudade como um estado emocional e afectivo da alma pátria. Ela representa o desejo e a esperança, é a silhueta do Encoberto despertada, afastando o nevoeiro do lendário amanhecer. Após Alcácer-Quibir, a Saudade, enlutada, chorou, mas agora, revelou-se exultante e sorriu cheia de fé pois, ao revelar-se, revelou o sonho lusitano da Renascença, o elevado destino imposto a Portugal pela Tradição e pela Herança (Pascoaes 1998: 119): Mais importante do que ter sido ou ter tido império, mais decisivo do que haver usufruído riquezas mortas, ou até ter sido actores de uma gesta científica que podíamos ter tido num grau e esplendor que não tivemos, é para Pascoaes o haver interiorizado como alma da nossa alma o sentimento obscuro mas iluminante dessa visão positiva da vida como sonho que se sabe sonho mas que no interior desse sentimento se recupera como criadora saudade, desejo de um desejo que jamais tomará a forma de uma possessão idolátrica, subtraindo-nos assim, de raiz, à tentação moderna por excelência, a de Fausto: saber, poder para reinar sobre a natureza e os outros. É nesse sentido que Pascoaes nos outorga e se outorga o estatuto de povo-saudoso, quer dizer, de povo que apercebe em tudo quanto toca a sombra da ilusão e da morte, mas a uma e a outra exige a promessa da vida (Lourenço 2006: 102). Nos poetas da Saudade coexiste um profundo sentimento da Eternidade e do Infinito, que encerra o amor do amante pela mulher amada. Comporta, além disso, o amor do povo português pela sua Pátria e por Deus. A alma amante espiritualiza a recordação do ser amado, identifica-a com ela própria, ao mesmo tempo que a envolve com a sua própria essência eterna. Do sangue e da terra nasce a melancolia lusitana das memórias concretizadas de uma Divindade, que não existe mais, mas que dá forma à Saudade (Pascoaes 1987: 164). 58 O sentimento da Saudade influi, sobremaneira, nas formas inferiores da natureza, com as quais nos ligamos à Família, à Pátria, à Humanidade e a Deus (Soares 2007: 280-283) Devido ao seu poder saudosista, de lembrança e de esperança, o ser humano eleva-se da própria miséria e contingência à contemplação do Reino Espiritual. Vemos Deus pelos olhos da Saudade e assim reconstruímos espiritualmente a sua figura sagrada (Pascoaes 1998: 122-123). A Saudade humanizada e compreendendo a natureza, avultando numa só imagem feminina, voluptuosa e virginal, é o símbolo eterno da Realidade conjugada com a Verdade; quer dizer, do Universo e de Deus. Platão, que descobriu a Verdade, como Aristóteles, a Realidade, foi o primeiro a conceber este símbolo divino, porque ele foi o primeiro lírico da Terra, a primeira força musical que reuniu as notas dispersas da Natura, recriando-as na perfeita harmonia que vibra de estrela e de alma em alma… É o canto das esferas, a visão lírica das cousas, iluminando-as, contornando-as, definindo-as numa só Forma, que é a sua impecável fisionomia de conjunto; - o corpo da Realidade transparecendo a alma da Verdade, o infinito Universo numa infinita irradiação de Deus (Pascoaes 1987: 172). Camões foi um dos poetas que mais cantou a Saudade no Amor. A ausência da amada desencadeia no sujeito o sentimento de nostalgia, por vezes devido à sua morte precoce, como é o caso de Dinamene. A perda trágica e irreversível do ser amado mergulha o poeta numa solidão imensa e dolorosa, pois não se conforma com o seu desaparecimento. O eu lírico desenvolve-se em lamentações sentimentalistas, concentrando-se na sua própria dor, numa atitude antropocêntrica, em que sobressai o individualismo, já que ele valoriza mais a sua própria dor do que a da sua amada. Imerso na sua dor sente-se exausto, devido aos pensamentos atormentados que o afligem e entrega-se a saudosas recordações. Saudades antigas voltam a visitar o poeta, que assiste à inexorável passagem do tempo, sem nada poder fazer, pois aquilo que ele tanto amou, não existe mais. Revolta-se contra o poder de forças maiores e que o impossibilitam de ser feliz (Saraiva s/d:188-193). Que me quereis, perpétuas saudades? Com que esperança ainda m’ enganais? Que o tempo que se vai não torna mais, E se torna não tornam as idades. Razão é já, ó anos!, que vos vades, Porque estes tão ligeiros que passais, Nem todos para um gosto são iguais, Nem sempre são conformes as vontades. Aquilo a que já quis é tão mudado Que quási é outra coisa; porque os dias Têm o primeiro gosto já danado 59 Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado, Que do contentamento são espias. (Camões 2005: 110) O tema da Saudade, sentimento sem objecto, é cantado por Camões, de uma forma pungente, onde coabitam, permanentemente, a solidão e a angústia de viver, manifestações líricas da alma lusitana. O ser amado é chamado pelo nome desse sentimento sem objecto, expressando, desta forma, a intensidade do sofrimento e da Saudade que existe no amor ausente (Valverde 1981: 88. 89)) Cantiga A este cantar velho Saudade minha Quando vos veria? Voltas 0 [A que vista alongado Pelo que desejo 5 Tudo longe vejo, Mais longe este quando… Em quanto mais ando, Mais me foge o dia: Quando vos veria?] 1 10 este tempo vão, Esta vida escassa, Pêra todos passa, Sópera mim não. Os dias se vão 15 Sem ver este dia, Quando vos veria. 2 Vede esta mudança Se está bem perdida Em tão curta vida 20 tão longa esperança! Se este bem se alcança, Tudo sofreria, Quando nos veria? 3 Saudosa dor, 25 eu bem vos entendo; Mas não me defendo, 60 Porque ofendo Amor. Se fôsseis maior, Em maior valia 30 vos estimaria 4 Minha saudade, Caro penhor meu, A quem direi eu Tamanha verdade? 35 Na minha vontade, De noite e de dia (Camões s/d: 90) A Saudade apaixonada e a melancolia transformada em amor imprimiram em Camões um profundo sentimento da Natureza, pois todos os elementos que a compõem surgem da sua inspiração. O poder criativo de Camões imprimiu uma expressão sublime ao sentimento da Saudade. Tal como Shakespeare divagou pelo íntimo do ser humano, Camões penetrou na essência das coisas. Após Shakespeare, a humanidade torna-se shakesperiana, mas depois de Camões o mundo é camoniano. É o poder dos grandes génios, cujo aparecimento transforma e perturba o Existente (Pascoaes 1987: 97). 61 III- A Expressão do Amor e da Saudade na Lírica de Camões No documento O Amor na Cultura Portuguesa - Camões e António Ferreira - (páginas 54-61) [INS: :INS] Outline * 1 – Amor * 2 – Saudade (Você está aqui ) * Camões Documentos relacionados PARA O DIÁLOGO COM O GOVERNO ESTADUAL PARA O DIÁLOGO COM O GOVERNO ESTADUAL Embora o governo do Estado da Bahia tenha ampliado consideravelmente a oferta de vagas na rede pública de ensino, inclusive em alguns bairros com vagas ociosas, este ainda não 113 0 3 WARLESON PERES O IDEAL E O REAL NOS ESTÁGIOS CURRICULARES SUPERVISIONADOS NA UFJF WARLESON PERES O IDEAL E O REAL NOS ESTÁGIOS CURRICULARES SUPERVISIONADOS NA UFJ... 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